quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Marcadores de livros/ Revista Clube do Colecionador CTT


Marcadores de livros
Texto: Vera Valadas Ferreira; Fotos: Nuno Delícias
in: Revista Clube do Colecionador CTT, Ano XXXII, Nº 2; julho- dezembro 2017; pags 2, 3 e 4

"Coleção rima com coração". Até uma criança o sabe. 
E há achados que mudam uma vida. E paixões que surgem do acaso. Que o diga Guida Bruno, em cujas mãos, na qualidade de documentalista do Museu Nacional do Teatro foi parar à coleção particular do casal Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, em doação, no ano de 1991.
Dentro daqueles valiosos títulos, que catalogou um a um, um outro tesouro se encontrava: marcadores de livro antigos. "Eram 440, nunca mais me esqueço, o que para mim era um número elevadíssimo. Agora, quando penso que tenho 55 mil..." 
Sim, mais de um quarto de século volvido, ela própria tem a sua biblioteca pessoal onde guarda em pastas de arquivo e caixinhas várias (isto depois de uma fase inicial em micas) marcadores das mais diferentes formas, materiais, épocas e proveniências.
O mais antigo remonta a 1890 e fazia parte do dito espólio dos vultos do teatro. Assim como um, muito delicado, feito em tecido e cordão pela própria atriz, que tinha o hábito de forrar os livros com tecidos dos seus vestidos de cena.
Depois, Guida reencontrou duas relíquias da sua infância, os marcadores mais antigos do seu percurso pessoal: um da Majora, datado de 1951, e um outro, de 1968, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, padroeira do Colégio interno onde estudara em Leiria.
No final da década de 1990, um novo encontro com o destino. Ou melhor, com uma investigadora teatral belga que achando "graça" ao que Guida ainda não chamava de coleção, tomou a liberdade de publicar um texto sobre a portuguesa nascida no Bombarral, num caderno de colecionadores. Nele constava a morada de Guida Bruno, que, de imediato, começou a receber pelo correio marcadores de todo o planeta. Na volta do correio enviava postais da fadista Amália.
Esse foi, aliás, o primeiro critério de arrumação da coleção: nacionais vs. estrangeiros. 
Ao crescer em número, o espólio ganhou subcategorias, dos infantis aos religiosos, dos ligados às artes aos de propaganda médica ou subordinados à gastronomia. 
Há marcadores que são, tão claramente um reflexo do contexto sociocultural da sua época. "A beleza de um marcador é mais enquanto objeto que traz história e informação". Como aquele que acautela os leitores contra as doenças infeciosas como a tuberculose, ou um outro sobre os perigos do feminismo.
O período melhor representado nestes 55 mil itens é a década de 1950, precisamente quando se deu o boom da arte publicitária, com referências a produtos e artigos dos tempos dos nossos pais e avós.
Em papel, cartão, tecido, crochet, madeira, metal, plástico, conchas, peluche ou cabedal. No tradicional formato retangular ou com recortes originais e únicos. 
Oriundos da China, Uruguai, da Indonésia, do Reino Unido, e até da Síria, uma das ultimas aquisições. Com poemas e dedicatórias, ou meramente informativos. Outros servindo de recordação de viagens e/ou fruto de dádivas de amigos.
Neste arquivo há marcadores para todos os gostos e interesses. E até uns exemplares especiais que evocam o casamento de um dos filhos de Guida, cujos convites/decoração das mesa foram inspirados na paixão da mãe.
Paralelamente, Guida frequentou muitas feiras, livrarias e encontros de trocas. Isto já muito depois de ter exposto no Casino Estoril, ainda nos anos 90, os 830 exemplares entretanto acumulados. Então, fugiu à verdade e disse que eram mais de mil. E de lá veio com esse numero, efetivamente.
"Eu não fazia ideia, mas o colecionismo é um Mundo. Há pessoas que colecionam as coisas mais incríveis. Sou muito arrumadinha, gosto muito de subdivisões. Essa parte talvez seja muito importante para isto do colecionismo. Como era a única colecionadora de marcadores, comecei a guardar isqueiro e pacotes de açúcar para ter sempre qualquer coisa para trocar", frisa.
E assim foi crescendo a coleção que já esteve em digressão na Rede de Bibliotecas Nacional e cujo valor é, a vários níveis, incalculável. "Uma pessoa que gosta do livro protegido e preservado tem cuidado nas marcações. E por isso o marcador é bem vindo", frisa a nossa interlocutora explicando que, antigamente, havia o hábito de marcar as páginas com selos, bilhetes de transporte, flores/folhas e até ganchos de cabelo.
Os primeiros marcadores da história que são aqueles relacionados com as Bíblias, eram em tiras de seda. O seu uso está documentado até há 400 anos atrás. 
No séc. XIX surgiram os primeiros exemplares em cartão ou papel rígido e, até,as primeiras tentativas de individualização.
Com a ajuda de uma turma de alunos da escola de Museologia da Batalha, Guida Bruno conseguiu datar alguns exemplares históricos da sua coleção.
Um outro leitor enviou-lhe uma brochura inglesa sobre o tema, raro no Mundo, onde (imagine-se!), constatou que possui alguns exemplares dos modelos preciosos ali retratados. 
Porém, o potencial valor monetário deste espólio não é o que a motiva. "Pensei nisso uma vez. A Buchholz contactou-me porque eu tinha todos os seus marcadores, inclusive o primeiro, que eles não tinham. Nessa altura fizeram-me uma proposta incrível para eu vender o marcador. Respondi que não tinha preço, dado o valor sentimental, tão grande. Sempre disse que me dedicaria a isto quando me reformasse", explica. E assim acontece. 
Com três filhos e sete netos que gostam e apoiam este seu mais que hobby, Guida gostaria, porém, que a coleção voltasse um dia "ao seu sítio original". "Trabalhei no Museu do Teatro durante 26 anos. Os Museus são casas de memória. A minha família é capaz de achar graça, mas uma coleção parada é como os livros que não são lidos, são um cemitério".



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